sábado, 23 de março de 2013


RESENHA


BERMAN, Marshal. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Introdução: Modernidade – Ontem, Hoje e Amanhã. São Paulo: Editora Schawarcz Ltda, 1995, p. 15-35.


            “Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: neste sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, da ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx: tudo que é sólido desmancha no ar”.
            Assim Marshal Berman dá in início à introdução deste significativo livro sobre a modernidade. Suas perspectivas, se por um lado evidencia uma profunda crise dos sistemas que integram a vida na contemporaneidade, por outro abre uma janela, uma esperança voltada para o reencontro das teorias que fundaram e aprofundaram a modernidade: Marx e Nietzche.
            Três fases iram integrar a modernidade. A primeira fase vai do início do século XVI até o fim do século XVIII, período em que as pessoas estão ainda experimentando os primeiros aspectos da modernidade. A segunda fase configura-se como uma “era revolucionária”, “convulsões em todos os níveis de vida pessoal, social e política” (p.16). Tendo com maior marco a Revolução Francesa. E, como terceira fase, o século XX, onde a fragmentação leva a uma desintegração social, a um sentimento niilista da realidade, um momento em que se “perdeu contato com as raízes de sua própria modernidade” (p.17).
            Rousseau preconiza o termo modernidade, ao mesmo tempo em que será a maior fonte das conceituações da modernidade, “do devaneio nostálgico à auto-especulação psicanalítica e à democracia participativa” (p.17). Os estados nacionais se fortalecem, as multinacionais se multiplicam , os movimentos de massa e de trabalhadores jamais se tornou tão intenso. Tudo é possível, tudo se alcança, menos a “solidez e a estabilidade”.
Marx e Nietzche deram o prenuncio deste tempo. Identificaram com excessiva nitidez os paradoxais caminhos que se apresentavam. Mesmo tendo seus presságios nas sociedades do séc XVI, somente as partir do séc XVIII seu poder se intensificará chegando à complexa sociedade contemporânea. O primeiro, percebendo a turbulência social e o total descrédito que a produção industrial apresentava, concentrou-se numa intenção específica de mudanças radicais na objetivação de “destronar a burguesia” na instauração de uma nova ordem humanística. O segundo, enxergando, neste período, uma profunda crise de paradigmas, onde a moralidade se desfazia e se desintegrava e o niilismo se tornava a tônica da vida, deposita seu crédito num novo homem, num homem reestruturado, “o homem do amanha e do depois de amanha”.
Nosso tempo experimenta uma modernidade peculiar, se por um lado nos encontramos numa profunda crise de valores e de sentido de vida, por outro houve, e ainda há, uma vasta produção artística e criativa que nos insere em perspectivas jamais observadas. O que faz com que se efetive uma bipolarização de visão, pois ou a “modernidade é vista com um entusiasmo cego e acrítico ou é condenada segundo uma atitude de desencantamento e indiferença neo-olímpica; em qualquer caso, é considerada como um monolito fechado, que não pode ser moldado ou transformado pelo homem moderno” (p.24).
As contradições se intensificam na retórica discursiva. Os futuristas, frios e calculistas, integram a vida à produção e à perspectiva de uma sociedade informatizada e sistematizada ciberneticamente. Weber vai criticar esta frieza e a falta de sensibilidade dessa sociedade expansivista. Foucault descortina uma sociedade sedimentada na organização e na disciplina – sociedade disciplinar.
Tendo chegado a uma crise profunda durante os anos 60, Bermam localiza então, três tendências que circundaram esse período: uma afirmativa, outra negativa e uma terceira que denominou de ausente. Neste último “a adequada relação entre arte moderna e vida moderna veio a ser a ausência de qualquer relação” (p.29). “O modernismo aparece, desse modo, como uma grande tentativa de libertar os artistas modernos das impurezas e vulgaridades da vida moderna” (p.29). Como negação o modernismo “busca a violenta destruição de todos os nossos valores e preocupa muito pouco em reconstruir os mundos que põe abaixo” (p.29) Como afirmativo desenvolveu-se um modernismo pop, que, apesar de suas inovações e intensidades criativas, não apresentou alternativa de um caminho a ser seguido.
Portanto, nos anos 60 buscou-se uma atualização, mas, na ausência de perspectivas de mudanças e de reencontros, deságua-se no niilismo dos anos 70, configurado pela sociedade disciplinar de Foucault.
Para escapar dessa desesperança Bermam propõe que retomemos as raízes do modernismo. “O argumento básico deste livro é, de fato, que os modernismos do passado podem devolver-nos o sentido de nossas próprias raízes modernas, raízes que remetem a duzentos anos atrás. Eles podem ajudar-nos a conectar nossas sociedades radicalmente distintas da nossa – e a milhões de pessoas que passaram por isso há um século ou mais” (p. 34).  O autor concentra-se na intenção de um retorno aos autores do século XIX para um seguimento aperfeiçoado no século XXI. “Esse ato de lembrar pode ajudar-nos a levar o modernismo de volta às sua raízes, para que ele possa nutrir-se e renovar-se tornando-se apto a enfrentar as aventuras e perigos que estão por vir” (p.35).
                       
            

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