RESENHA
BERMAN, Marshal.
Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Introdução:
Modernidade – Ontem, Hoje e Amanhã. São Paulo: Editora Schawarcz Ltda, 1995, p.
15-35.
“Ser moderno é encontrar-se em um
ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e
transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o
que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência ambiental da
modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e
nacionalidade, de religião e ideologia: neste sentido, pode-se dizer que a
modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade
de desunidade: ela nos despeja a todos num turbilhão de permanente
desintegração e mudança, de luta e contradição, da ambigüidade e angústia. Ser
moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx: tudo que é
sólido desmancha no ar”.
Assim Marshal Berman dá in início à
introdução deste significativo livro sobre a modernidade. Suas perspectivas, se
por um lado evidencia uma profunda crise dos sistemas que integram a vida na
contemporaneidade, por outro abre uma janela, uma esperança voltada para o
reencontro das teorias que fundaram e aprofundaram a modernidade: Marx e
Nietzche.
Três fases iram integrar a
modernidade. A primeira fase vai do início do século XVI até o fim do século
XVIII, período em que as pessoas estão ainda experimentando os primeiros
aspectos da modernidade. A segunda fase configura-se como uma “era
revolucionária”, “convulsões em todos os níveis de vida pessoal, social e
política” (p.16). Tendo com maior marco a Revolução Francesa. E, como terceira
fase, o século XX, onde a fragmentação leva a uma desintegração social, a um sentimento
niilista da realidade, um momento em que se “perdeu contato com as raízes de
sua própria modernidade” (p.17).
Rousseau preconiza o termo
modernidade, ao mesmo tempo em que será a maior fonte das conceituações da
modernidade, “do devaneio nostálgico à auto-especulação psicanalítica e à
democracia participativa” (p.17). Os estados nacionais se fortalecem, as
multinacionais se multiplicam , os movimentos de massa e de trabalhadores
jamais se tornou tão intenso. Tudo é possível, tudo se alcança, menos a
“solidez e a estabilidade”.
Marx e Nietzche deram o prenuncio deste tempo. Identificaram com
excessiva nitidez os paradoxais caminhos que se apresentavam. Mesmo tendo seus
presságios nas sociedades do séc XVI, somente as partir do séc XVIII seu poder
se intensificará chegando à complexa sociedade contemporânea. O primeiro,
percebendo a turbulência social e o total descrédito que a produção industrial
apresentava, concentrou-se numa intenção específica de mudanças radicais na
objetivação de “destronar a burguesia” na instauração de uma nova ordem
humanística. O segundo, enxergando, neste período, uma profunda crise de
paradigmas, onde a moralidade se desfazia e se desintegrava e o niilismo se
tornava a tônica da vida, deposita seu crédito num novo homem, num homem
reestruturado, “o homem do amanha e do depois de amanha”.
Nosso tempo experimenta uma modernidade peculiar, se por um lado nos
encontramos numa profunda crise de valores e de sentido de vida, por outro
houve, e ainda há, uma vasta produção artística e criativa que nos insere em
perspectivas jamais observadas. O que faz com que se efetive uma bipolarização
de visão, pois ou a “modernidade é vista com um entusiasmo cego e acrítico ou é
condenada segundo uma atitude de desencantamento e indiferença neo-olímpica; em
qualquer caso, é considerada como um monolito fechado, que não pode ser moldado
ou transformado pelo homem moderno” (p.24).
As contradições se intensificam na retórica discursiva. Os futuristas,
frios e calculistas, integram a vida à produção e à perspectiva de uma
sociedade informatizada e sistematizada ciberneticamente. Weber vai criticar
esta frieza e a falta de sensibilidade dessa sociedade expansivista. Foucault
descortina uma sociedade sedimentada na organização e na disciplina – sociedade
disciplinar.
Tendo chegado a uma crise profunda durante os anos 60, Bermam localiza
então, três tendências que circundaram esse período: uma afirmativa, outra
negativa e uma terceira que denominou de ausente. Neste último “a adequada
relação entre arte moderna e vida moderna veio a ser a ausência de qualquer
relação” (p.29). “O modernismo aparece, desse modo, como uma grande tentativa
de libertar os artistas modernos das impurezas e vulgaridades da vida moderna”
(p.29). Como negação o modernismo “busca a violenta destruição de todos os
nossos valores e preocupa muito pouco em reconstruir os mundos que põe abaixo”
(p.29) Como afirmativo desenvolveu-se um modernismo pop, que, apesar de suas
inovações e intensidades criativas, não apresentou alternativa de um caminho a
ser seguido.
Portanto, nos anos 60 buscou-se uma atualização, mas, na ausência de
perspectivas de mudanças e de reencontros, deságua-se no niilismo dos anos 70,
configurado pela sociedade disciplinar de Foucault.
Para escapar dessa desesperança Bermam propõe que retomemos as raízes do
modernismo. “O argumento básico deste livro é, de fato, que os modernismos do
passado podem devolver-nos o sentido de nossas próprias raízes modernas, raízes
que remetem a duzentos anos atrás. Eles podem ajudar-nos a conectar nossas
sociedades radicalmente distintas da nossa – e a milhões de pessoas que
passaram por isso há um século ou mais” (p. 34). O autor concentra-se na intenção de um
retorno aos autores do século XIX para um seguimento aperfeiçoado no século
XXI. “Esse ato de lembrar pode ajudar-nos a levar o modernismo de volta às sua
raízes, para que ele possa nutrir-se e renovar-se tornando-se apto a enfrentar
as aventuras e perigos que estão por vir” (p.35).
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