sábado, 30 de março de 2013

POEMA: OLHOS MEUS

Olhos meus

Para Telma Natali



Olhos meus,
meus olhos te miram.
Sorri, te vi,
te vejo todos os dias.
Me vi nos teus cabelos,
deslizando num suave perfume.
Aroma matutino.

Não me olhes mais.
Não me encantes mais.
Profundo é teu olhar,
negros são teus cabelos.
E eu aguardo tuas mãos leves,
tocarem meu rosto,
me abraçando ao mundo, nos teus braços.

Haverá sonhos, sorrisos,
promessas, planos, confissões...
Lágrimas felizes de esperanças
Ah...
Me vi nos teus olhos,
deslizando nos teus cabelos,
num perfume, numa noite, num encanto.
Olhos meus,

meu olhos te miram.


POEMA: CANTO PARA AMADA

CANTO PARA AMADA

Oh! Minha amada...
Pra onde tu foste?
Passaste por mim e, de ti,
só me restou o perfume.
Ainda o sinto e viajo em seu aroma.

Onde estás?
Soube que passaste e que deste
alimentos e afagos.
Porém só me restou relatos,
contados e vividos.


Oh! Minha amada..
Quando passaste,
queria te ver,
mas o tempo me passou.

Preciso de ti, de teu aroma,
de teu tempo, de teus olhos,
Estes, guardo-os comigo.
Não os vi,
Mas Guardo-os comigo!


Ah! Minha amada...
estás comigo!
Sei de teu caminho, não deixaste rastros
Mas te encontro
nos olhos dos amantes,
nos olhos dos pastores.

Quanto teria pra te dizer,
Quantas histórias...
Sonhos, fantasias
deste e daquele mundo,
O tempo passaria
sem que nem ele mesmo desse conta.

Ah! Minha amada...
Suplico-lhe que me venha, ao entardecer,
soprando e sussurrando ao meu ouvido,
alimentando-nos de suspiros,
velando, zelando,
seguindo o caminho das montanhas,
das nuvens e das noites.
Minha amada...
Teus braços são leves e doces,
neles encontro abrigo, acalanto.
Teus dedos percorrem minha face
E teus seios acalmam meu olhar.

Quero-te com calma,
ternura e brandura.
Deixe eu te ensinar
segredos de homens,
da vida.

Me dê teu corpo,
tua alma.
Me envolva na névoa de teu amor
para que eu viva intensamente,
sem dor, sem sofrer,
por inteiro!

Inteirando-me na soma de nossos abraços.


domingo, 24 de março de 2013

ARTIGO: Família e escola: novos papéis e novas responsabilidades para uma nova disciplina


Família e escola: novos papéis e novas responsabilidades para uma nova disciplina

A família contemporânea passa por uma profunda crise. Já não mais dá conta das responsabilidades que lhe são atribuídas pela sociedade. Os conflitos que se apresentam na atualidade, principalmente os do mercado de trabalho, como a escassez de emprego, diminuição do poder de compra do salário e a inserção da mulher neste mercado, levam, necessariamente, a uma revisão na sua forma de educar e de se estruturar.
Com essa nova contextualização, surge uma desestruturação na constituição dos laços e valores afetivos entre pais e filhos que, indubitavelmente, interferem na educação da criança e do adolescente, na sua inclusão na vida social e na convivência socioescolar.
Há uma intensa cobrança sobre a família no que diz respeito aos valores éticos e morais que devem ser desenvolvidos na criança. Como a ética e a moral não se constroem sem afeto e este, devido à crise sociofamiliar, encontra-se em desequilíbrio, distanciando o adulto de suas responsabilidades afetivo-relacionais para com a criança, as famílias ou transferem para outros a responsabilidade da educação, como avós, tios, parentes, creches e escolas, ou recorrem a uma culpabilidade destrutiva e maculadora da relação afetiva entre elas e a criança.
Desta forma, com a desestruturação dos elementos psico-socioafetivos, a criança não consegue reconhecer a sua capacidade de assimilação dos valores constitutivos da disciplina, visto ser esta construída na vida afetiva e coletiva, frustrando criança, família, escola e sociedade.  Todos tornam-se vítimas de uma problemática enraizada mais na dinâmica econômico-social, na luta constante por melhoria de vida e menos na capacidade individual e familiar de se educar para o amor, para o convívio social e para a cidadania.
A criança, por não responder às expectativas da família, de seu grupo social, e por não ter conseguido compartilhar a experiência de reconhecimento das regras norteadoras da convivência sociocultural, também não consegue visualizar as regras sociais como processo de inclusão e integração, passando a construir sua compreensão de mundo por si própria.
As regras sociais se constroem coletivamente, através das trocas de experiências e na busca de elementos positivos à manutenção da convivência. Entretanto, quando a criança tem acesso restrito a essas condições, quando não há subsídios e aparato social que alimente essa vontade de se integrar, ela individualiza-se, isola-se. Por não ter apreendido os valores sócio-integrativos, experimenta de forma conflituosa e desintegrada o seu relacionamento com o grupo social em que está inserida. O que costumeiramente se denomina de “indisciplina”, ou seja, o não reconhecimento das regras que induzem o indivíduo àquilo que o grupo social considera como melhor para sua convivência.
Se a família enfrenta situações extremamente instáveis quanto ao seu papel social, com a escola não é diferente, pois em função dessas profundas mudanças e indefinições da estrutura sociofamiliar, acaba a instituição escolar se envolvendo em papéis que, até bem pouco tempo, não lhe eram atribuídos. Hoje parte das responsabilidades formativas da criança deixou de ser exclusivamente da família. Á escola foi incorporado o papel de colaboradora no processo educativo, intelectual e afetivo da criança.
A família, por não mais se encontrar em condições de assumir integralmente seu atributo formativo, pouco a pouco, vai transferindo e partilhando com outros, particularmente com a escola, a tarefa de educar para a vida. Nessa situação, a escola adentra um processo complexo e confuso, pois o seu papel epistemológico fica fragilizado enquanto o psicoafetivo se potencializa.
A família, diante da volatilidade da modernidade (pós-modernidade), não tem encontrado um referencial estrutural satisfatório para apoiar-se e encontrar respostas para essa instabilidade e a escola, que talvez até pudesse desenvolver esse papel, não tem conseguindo dar conta das variadas demandas que têm se apresentado, o que tem enfraquecido sua principal responsabilidade: educar e formar.
Indiscutivelmente se faz  necessário que a escola inclua, cada vez mais, os pais em seus projetos pedagógicos, fundamentalmente no que se refere à formação para a cidadania. Os professores, coordenadores e outros profissionais da educação devem estar preparados para, além de educar para a ciência e para a cidadania, educar também nos aspectos elementares do afeto e das relações interpessoais.
Mas à família cabe a responsabilidade de, aceitando seu limite formativo, buscar na escola possibilidades de seu crescimento, de seus filhos e da sociedade. Há de haver uma maior integração entre escola e família. É necessário também que no epistemológico se inclua a discussão de questões sobre a estruturação familiar e seus novos modelos e que, para a família, a escola seja um local real de desenvolvimento, não só do saber formal, mas também dos aspectos morais e afetivos.

A família e a escola incorporam o inconsciente cultural da sociedade contemporânea. A construção do saber, desde os primeiros movimentos da criança até a sua entrada no mundo do trabalho, passa pela família e logo em seguida pela escola. Não se pode pensar uma formação integral se ambas não estiverem em real conexão, recorrendo-se sempre ao diálogo de seus conflitos e à constante discussão de seus papéis e seus compromissos. Uma sociedade justa somente se constrói quando as responsabilidades são partilhadas e os diálogos constantemente estabelecidos.

ARTIGO: Violência na escola e as ações efetivas para uma consciência em favor da paz


Violência na escola e as ações efetivas para uma consciência em favor da paz

A discussão sobre violência na escola é complexa, pois envolve vários aspectos da vida social. A violência não surge simplesmente por conflituosas relações entre professores e alunos ou entre a escola e estudantes, ou ainda entre os próprios estudantes ou entre eles e seus familiares. Há vários fatores que influenciam na intensificação da violência, assim com há várias formas de sua manifestação.
Há manifestações que são objetivas e visíveis que, mesmo sendo difícil de se combater, é possível verificar seu foco e interferir no seu processo, identificando a gênese ou os motivo mais relevantes de seu surgimento.
Essas violências são demonstradas diariamente nos meios de comunicação, diríamos que até de forma extravagante. Porém há uma outra dimensão de violência que “corre por baixo”, é invisível aos olhos comuns, não perceptíveis nas aparentes relações solidárias das sociedades e em particular nas escolas. É necessário uma percepção apurada e precisa para percebe-las. Essa violência talvez seja a mais perigosa, pois ela efetiva a discriminação e enraíza o preconceito de maneira “harmoniosa”, ela delimita os espaços de poder entre professor e aluno, entre escola e família e estratifica as relações no interior das instituições escolares.
A violência nos é incomoda, as vezes insuportável, por isso tem crescido o número de ações que procuram diminuir seu poder. Desta forma, quando pensamos em violência, involuntariamente nos surge a ideia de sua contraposição, e o que se contrapõe à violência é a paz, por isso tem crescido os movimentos pela paz. Mas, o que é a paz? Seria o fim da violência? Seria a convivência harmoniosa e, numa perspectiva cristã, a efetivação de uma irmandade realizadora do amor e da solidariedade fraterna?
Ora, se a violência, de alguma forma, é a presença da intolerância, do desrespeito à convivência democrática das diferenças e, por conseguinte, da falta de diálogo, podemos pensar que uma situação contrária a esta facilitaria as experiências de paz. Assim chegamos a subjetividade da paz. A paz não é uma coisa, assim como a violência também não o é. A paz é uma possibilidade, uma situação dialogal onde se privilegia o entendimento, portanto quando o diálogo é desprezado a intolerância e a violência se revigoram.
Notamos então que a violência só pode ser combatida com o diálogo e com a efetivação democrática das relações. A isso, no que se refere à sociedade, denominamos cidadania. Aprimorando-se tais percepções facilita-se a identificação de discursos demagógicos e fortalecem-se as intenções que priorizam convivências em favor da cidadania.
Uma educação que combate a violência, privilegia o diálogo, efetiva projetos que intensificam tal possibilidade. Por isso não é fácil, pois falar tanto de violência como de paz, implica em destituir castas de poder que se efetivaram ao longo de toda nossa história, significa desfazermos de poderes que se impregnaram no âmago de nossas vidas, micropoderes que se manifestam nas mais intimas relações e que se dissipam por todos os níveis das relações de toda e qualquer sociedade contemporânea.
Um projeto de combate à violência na escola tem que envolver professores, alunos, funcionários e familiares numa ampla discussão sobre as maneiras de violência que se manifestam na sociedade, nos colégios e nos lares. Procurando destacar principalmente aquela violência que se esconde aos nossos olhos, aprofundando a reflexão sobre os papeis de cada um na construção de relações que favoreçam o diálogo e a convivência pacífica.
Várias escolas têm adotado trabalhos similares fazendo palestras para pais, debates com professores, alunos e sociedade, organizando encontros da comunidade com autoridades policiais, civis e políticas. Debatendo os principais aspectos da violência nos vários setores da vida social: violência nos lares, contra as crianças, contra as mulheres, contra os índios, os negros e demais grupos sociais ou minorias étnicas.
A experiência pode ser muito enriquecedora. É certo que tais ações não diminuem os índices de violência. Mesmo porque não é possível efetivar projetos dessa proporção em ações isoladas ou restritas a uma escola. Entretanto, ao levantarmos a discussão e despertarmos em nossa comunidade, em nossos alunos, em nossos professores e em nós mesmo a consciência de que a violência se potencializa quando o diálogo é desprestigiado, se conseguirmos fazer com que essas pessoas reflitam sobre suas ações e seus compromissos na efetivação de uma sociedade solidária, na busca de um estado de paz, cumprimos nosso papel de educadores e efetivamos o compromisso que toda escola tem com a formação e a educação para a cidadania e para a democracia.
Afinal, educar é um ato que sempre visa o futuro, ninguém educa para hoje. O passado e o presente são os instrumentos que o educador tem na edificação da sociedade que ele, de forma apriorística, já elaborou dentro de si.


POEMA: Máculas da Alma

Máculas da Alma       
                            
“...assim me torno eu próprio a humanidade;
e se ela ao cabo perdida for, me perderei com ela.”
Goethe 

O que macula a alma não é a dor daquilo que não realizamos,
mas o desejo constante e incontido que, do âmago,
transforma-se em febre e destrói nossos sonhos.
O contato com a realidade de coisas mutáveis e insustentáveis.
Frígidas lâminas nos tornam frágeis
e decepam os mais puros desejos e os mais primitivos suspiros.
Irreconhecíveis a nós mesmos!
Nos odiamos se os despertamos ou paralisamos os atos públicos de condenação.
Todos possuem e compartilham olhares comprometedores,
mas, passíveis ao cotidiano fosso das cidades, ausentam-se,
ilham-se nas multidões frustradas que se aderem a uma falsa sensação de comunidade universal.
Não sentem, nem vivem!
No temor latente da aglomeração das tensões, preferem o plástico, o flexível.
Cegam-se!

Em mim toda dor e todo sofrimento se intensificam.
Recolho-me ao que é nato e inato, sem ser redentor,
sem ao menos almejar um possível ato heróico.
Amo o mundo e os homens,
amo-os por mim e por eles.
Ainda que odiá-los seja uma propriedade da minh’alma,
é meu desejo amá-los.
Carrego todos os sentimentos
e ouço suspiros temerosos de que as sombras possam ser a eternidade de meus dias
e minhas noites uma escuridão, um betume.
Isso o betume!
Quem sabe o betume do barro preto...
que nos remete à leve sensação de um retorno ontológico, um lócus,
à fonte emergente  donde brotou o ánthropos.
Preservarei o que há de primitivo, de elementar e de fecundo
para que do inescrutável, do intangível e da culpabilidade irremediável, possa fluir,
como um regato intermitente,
a outra face,
o oculto,
o imperceptível,
aquilo que ainda não foi dito.


Curvo-me ao tempo...
Satisfaço-me em não recorrer aos quantificáveis.
Este é o tempo do incalculável, da não metrificação,
tempo dos fluídos insolidificáveis.
Não há retorno, nem volta!
Ao olhar, cabe-lhe tudo, todos os espaços.
Aos passos, serve-nos caminhar adiante.
Recorro ao barro para compreender o sentido das edificações
e aos oleiros para me impregnar do deleitoso desejo de construir

No inescrutável tateio os eternos limites do saber temporal.
No intangível assento-me na possibilidade de uma atitude expansiva e abrangente,
ainda que se apresente como paradoxal.
Na culpabilidade irremediável,
encontro a angustiante sensação de que algo já poderia ter sido feito

Seguir é o que nos oportuniza. Este é o tempo!
Há uma temeridade, uma nebulosidade que circunda nossos olhares.
A mácula da alma tende a nos atrofiar, a ferir nossos ossos,
a nos tornar pedintes e recorrentes de uma fé que mais purga que liberta.
Se ao tempo sou súdito, rebelo-me contra a submissão de um homem por outro.
Há multiplicidade, há compartimentalização, há códigos indecifráveis,
mentalidades geneticamente cibernetizadas.
Mas há olhares, há homens, mulheres, crianças que todos os dias saem pelas ruas,
cães que vasculham os cantos das cidades,
as mãos ainda se entrelaçam e os braços enamorados se envolvem nas noites de frio.
Há almas maculadas, como a minha,
que se entristecem em ver
tantos vivos, quase mortos;
tantos sorrisos, quase tristes;
tantos sonhos, quase pesadelos.
Mas que seguem adiante,
ora cabisbaixo, ora numa alegria utópica e transbordante,
às vezes infantil.
Mas que prefere caminhar
ao invés de sorrir os sorrisos tele-enviados pelas megas inteligências que querem
uma impossível homogeneização.

Nisso eles se fragilizam e nós nos fortalecemos.

POEMA: Poema para o garoto do jornal


POEMA PARA O GAROTO DO JORNAL

 A rotina cotidiana da vida de um entregador de jornal

 Todos os domingos ele deixa o jornal na minha porta
Sua rotina é cheia de esperança
Só isso, mais nada!
Seus olhos fixam-se
num futuro não
muito longe.
A realidade o distanciou dos sonhos.
Não há sonhos.
Meninos não sonham,
entregam jornal!
Sua mãe, seus irmãos
aguardam ansiosos o desfecho dominical.

Domingo é dia de missa,
O culto dos crentes.
Amanhã, segunda-feira, será a mesa de ontem?

Haverá algumas frutas
E o pão,
este não há de faltar
Não há vida sem pão
O pão de todos os dias
Duro, suado, surrado, amassado
Não importa
Sem pão não se vive

Assim o jornal alimenta a todos...
Por acaso alguém vive sem jornal?

POEMA: Para aqueles que são imprescindíveis


Para aqueles que são imprescindíveis

Quantos esforços!
Todos os dias, todas as horas
Sábado, domingo, noite, madrugada
Tantos esforços!
As vezes sorrindo, as vezes chorando, as vezes... sei lá são tantas vezes
Tantos sonhos...
E esses meninos que crescem, se vão?
O que será que fica?
O que será vai?

Quem não se lembra de uma aula, de uma escola
da diretora ranzinza e autoritária?
Daquela funcionária que, com meticulosidade, um a um,
Verificava se o uniforme estava completo?
Elas tinham prazer e eu sei que tinham
Eu só medo de voltar pra casa.!
E da sopa no recreio?
Do pastelão que eu nunca tinha dinheiro pra comprar.
Quem é que não se lembra?

Quem passou por você?
Quem passou por mim?

Por quem vamos passar?

Antropofagia do saber, da cultura, do conhecimento.

Eu me alimento dos que passaram por mim
E estes pequenos, se alimentam de nós que passamos por eles.
Nossos antepassados acreditaram e nós cumprimos parte de seus sonhos
Nossos netos cumprirão os nossos?

Nossa história é feita de gente que luta e sonha.
Todos os dias! Todo tempo!
Esses são imprescindíveis, diria Brecht!
Você é assim?
Sei que é. Eu te vejo correndo, construindo,
arregalando os olhos a cada novo passo
Quem não se lembra?
Quem se lembrará?
Não importa!

Não fazemos pra sermos lembrados
Fazemos porque acreditamos
Não sabemos exatamente em quê,
Mas sabemos que o novo se constrói na incerteza
e na certeza de acertar
Isso é imprescindível!

Por isso
Vocês são imprescindíveis
Quem é que não se lembra?
Quem passou por você?
Quem passou por mim?

Por quem vamos passar?
Nossa história...
Todos os dias!
O que será que fica?
O que será vai?
Não importa,


Para os amigos professores 15.10.01
Walter Fajardo
 
Importante é ser imprescindível!

POEMA: Filhos


Filhos
(para Victor & Vinícius)

A vida fez
que eu te fizesse
pra fazer o que pudesse
daquilo que eu não fiz,
que não deu tempo,
ou o tempo
não quis.

POEMA: Autotomia


Autotomia


Seus olhos comiam meus olhos
Sua boca devorava, impiedosamente, cada pedaço da minha língua
Minha voz se desfazia no seu aterrorizante olhar
A noite caía e a lua era obscurecida no temor de um estranho e negro escuro
Os pescoços grudados e unidos
entranhados: nervo a nervo, veia a veia.
E os músculos se uniam de forma tão unívoca que os corpos se quer viam-se a si mesmos
Não era sonho, nem pesadelo, nem terror, nem assombro, nem medo, nem nada
A esperança encontrava em si o espaço da sobrevivência
Tudo se fundia numa única direção.






ARTIGO: Considerações sobre o “Projeto Para Uma Psicologia Científica” de Sigmund Freud


Considerações sobre o “Projeto Para Uma Psicologia Científica” de Sigmund Freud

Walter Fajardo*

Freud parte da idéia de uma cadeia de neurônios. Imaginava também que, percorrendo esses neurônios, teria já dentro dele uma coisa chamada de quantum, um quantum de energia ou simplesmente “Q”. Não se sabe se seria uma carga elétrica ou outro tipo específico de energia. Mas sabe-se que sua manifestação, ou produção, tem relação direta com os estímulos, ou seja, para Freud, os estímulos seriam prováveis produtores de “Q”.
Os neurônios seriam os veículos condutores desse quantum , desse “Q”. Portanto, por eles passam esses quantuns. Processo pelo qual será denominado de catexia (concentração de todas as energias mentais sobre uma representação bem precisa, um conteúdo mnésico, uma seqüência de pensamentos ou encadeamento de atos; catexe, investimento. Huais, 2011). Também Zé usa o termo investimento.
Haveria, então, três tipos de neurônios:
Permeáveis – permitem a passagem dos quantuns, passam pelos neurônios. Freud determina que esse tipo de neurônio sejas responsável pela memória.
Impermeáveis – não permitem que os quantuns passem pelos neurônios. Impedem a passagem nos neurônios.
Perceptuais – os quantuns passam rápido. Não retêm nenhum tipo de informação. Ele existe para perceber aquilo que ocorre internamente ou externamente. Por exemplo: as informações do olho ao cérebro (internamente), as informações de fome ao cérebro (externamente).
Outro aspecto apontado por Freud é o resultado do acumulo de “Q”. Esse acúmulo gerará desconforto, como por exemplo, a fome que conduz ao cérebro o desconforto da ausência do alimento. O cérebro ao acumular essa informação produzirá um sinal de alerta, no caso de crianças, normalmente, o choro. Ao ser lançado esse alerta, ser-lhe-á oferecido um seio que, pelo fornecimento do leite, dará à criança a satisfação do término daquele desconforto.
Esse processo denomina-se de satisfação ou prazer, que no sentido psicanalítico, significa descarregar  a “Q” pela motilidade. Motilidade seria a capacidade autônoma do organismo em buscar recursos exteriores para diminuir o desprazer ou a insatisfação.
Mediante a repetição desse processo, o pensamento se fixa na imagem de que a resolução da fome se dará através do seio. Processo pelo qual se forma a “idéia” que volta para a memória. Desta forma, esse processo resultará na idéia de que a criança, ao sentir fome, chora, pois na sua idéia, com esse recurso, ser-lhe-á oferecido o seio. Nesse sentido, surge então a esperança de que o seio lhe resolverá o problema da insatisfação, a fome.
A esperança forma-se no princípio do aparelho psíquico como fonte de resolução de problemas, no caso da criança, a fome. Processo então que, na sua inconclusão, gerará a idéia de desesperança. Logo que a fome se acumula, surge o pensar relacional entre fome e seio. A primeira via que o aparelho psíquico vai recorrer é essa imagem.
Os problemas começam a surgir quando essa vontade ou essa imagem não se concretiza na realização ou satisfação do objeto desejado, ou ainda quando, apesar desse acumulo de energia, o individuo não demonstra nenhum tipo de reação (não, chora não se movimenta).
Essa imagem primária recebe o nome de alucinação. Na ausência do seio, ocorre uma frustração ( um desejo não realizado). Entretanto quando o desejo se concretiza numa “descarga motora”, ou seja, uma manifestação corporal concreta na realização do desejo, a sensação desenvolvida é de prazer.
Muitos problemas físicos podem ser decorrentes da não descarga do acúmulo de uma determinada energia. Por não haver a descarga ( o prazer), essa energia acumulada vai desequilibrar outros pontos do organismo. De alguma forma, essa energia é extravasada. Ao que se passou a chamar de processo psicossomático.
Todo processo que não vai para a motividade, ou seja, que se mantém dentro do indivíduo, denomina-se PROCESSO PRIMÁRIO. Quando passa para a motividade, denomina-se PROCESSO SECUNDÁRIO. A não realização do desejo (a não descarga) ou o medo do desejo não ser realizado pode gerar a ANSIEDADE.
Outro aspecto a ser abordado é em relação à “dor”. A dor se realiza quando a quantidade de energia que passa pelos neurônios excede à quantidade habitual. É quantidade de “Q” passando por uma via de neorônios.
Dor e sofrimento se diferenciam. A dor é gerada pelo excesso de energia numa determinada via de neurônios, o sofrimento, por sua vez, relaciona-se a com a não realização de um determinado desejo.
Daí poder ocorrer o que se denominou de “trauma”, ou seja, uma quantidade excessiva de energia que se fixa na memória. Numa linguagem mais específica, o trauma se dá pela hiperestesia (paroxismo – aumento agudo - da sensibilidade, tendente a transformar as sensações ordinárias em sensações dolorosas; acuidade anormal da sensibilidade a estímulos – Houaiss).
Então, retornando à questão do desprazer e do prazer, surge a idéia de que ambos estão diretamente ligados à motividade. No primeiro, as vias que causam dor não são facilitadas, podendo fazer com despertem as “barreiras de contato”.
Outro conceito freudiano é o “eu”, que se apresenta como o conjunto de neurônios investidos de um determinado momento. É uma instância que tem toda a visão do que acontece ao redor de si. É maior que o prazer. Possui sentimento e emoções. O “eu” se constitui de conteúdos se dando a cada segundo, a cada instante.
Em seus estudos, Freud acrescentará terminologias que vão dar sentidos específicos ao variados processos neurológicos.  “Princípio de realidade”, por exemplo, é o processo que diz que não será em todo momento possível descarregar a energia acumulada. Já “Julgar” será a capacidade do indivíduo em distinguir se o mesmo se encontra numa realidade ou num delírio. A dificuldade nessa distinção poderá desencadear uma “neurose”. Termos que, apesar de ser anterior a Freud, terá como significado o resultado de um conflito entre aquilo que o indivíduo é de fato, com aquilo que ele desejaria prazerosamente ser.



* Walter Fajardo é aluno do curso de Formação em Psicanálise na Escola Paulista de Psicanálise e Mestre em Educação e Contemporaneidade pela UNEB – Universidade do Estado da Bahia.