O ser humano sempre se reuniu para as
refeições. Desde seus primórdios pré-históricos a alimentação tem um sentido
comunitário e, numa boa parte desses encontros, um sentido
místico.
O homem é um ser gregário, ou seja,
constrói sua vida coletivamente. É um dos poucos animais que no período de
crescimento depende quase que totalmente dos adultos. Talvez esse possa ser um
dos fatores que contribuíram para essa agregação.
Essa necessidade do coletivo foi o
que de fato fortaleceu o crescimento social da humanidade. Obviamente, contando
também com sua potencialidade psíquica que possibilitou um maior
desenvolvimento do raciocínio e, do que denominamos hoje, de razão. O ser
humano é um ser racional. Isso o diferencia de todas as outras espécies
existentes no planeta.
A alimentação foi fator de alta
relevância no processo de fortalecimento dos aspectos coletivos, gregário e
cultural.
A partir do período denominado de
renascença, ou modernidade, passamos a ter transformações jamais imaginadas
pela humanidade. As mudanças na economia mundial e as transformações e mudanças
no ciclo do comércio mundial trouxeram para o mundo ocidental e, posteriormente, pra todos os povos novas maneiras de relacionamento humano e também novos procedimentos quanto ao com o processo alimentar.
Na idade média, no mundo europeu, as
sociedades viviam em grupos. Sociedades pequenas que, ligando-se de povoado a
povoado, formavam estruturas culturais que se fortaleciam e se mantinham
coesas.
Tanto pobres quanto ricos tinham uma
vida coletiva. A alimentação fazia parte fundamental desse processo. Nos feudos
havia festas, rituais, casamentos e outros tipos de ritos de passagens que
sempre incluíam a alimentação. No clero e na nobreza, davam-se as mesmas
situações; nas grandes festas, grandes eventos, a alimentação estava lá
presente como fator agregador.
Dessa forma, a alimentação estava
atrelada à convivência social. Normalmente, à alimentação, agregam-se fatores culturais,
sociais e religiosos. Para tanto, em todo desenvolvimento do período medieval,
a alimentação inseria-se na maneira coletiva de se organizar a sociedade.
Nas Américas também se dava dessa
forma. As conquistas e migrações dos povos ameríndios eram também influenciadas
pela necessidade da alimentação. Não havia o conceito de individuo, de individual. Um índio
não era um índio, ele era sempre a sua tribo. Até hoje, as tribos que sobreviveram
às transformações das Américas ainda preservam esse sentido coletivo.
A mesma situação se deu em regiões
como China, Austrália, Índia e outras partes do mundo. A alimentação sempre
teve forte relação com a convivência. As questões eram sempre coletivas, se
davam assim na vida religiosa, na vida político-social e na religião. A
dimensão da existência era coletiva e sempre partilhada através dos hábitos
alimentares.
O enfraquecimento do poder das forças
que sustentavam o período medieval
(clero e nobreza), principalmente pela exacerbação desse poder, culminou numa
contestação social que acabou levando ao surgimento da Reforma, encabeçada por
Lutero. Deste momento em diante, as disposições da organização social foi se
transformando substancialmente. E, em consequência, o processo de organização
da alimentação.
As transformações da sociedade
ocidental, a partir da reforma, foram profundas. Lutero questionava o poder
centralizador da Igreja. Questionava a maneira desse poder se relacionar com o
povo. Fatores que o levaram a partir para uma revisão dos valores que
predominavam sua época. Através dessas novas ideias, suscitou-se a aproximação
de nobres, pequenos produtores e burgueses que prefeririam um distanciamento do
poder da igreja. Suas intenções eram favorecer uma independência entre o Estado
e a Igreja.
Podemos afirmar que, com esses
acontecimentos, deu-se o início da ideia que temos hoje de individualismos. O indivíduo
como centro da vida, seus direitos, sua privacidade e sua liberdade.
Se hoje vivemos uma democracia que se
estende por todo o planeta, mesmo rodeada de instabilidades e fragilidades
morais, isso se deu em função dessas primeiras contestações.
Destarte essas conquistas não se
efetivaram em extensões de profundidade ética. Há contraditórios de
difícil equação. Por um lado conquistamos Estados democráticos que,
fortalecidos pelos direitos humanos, tendem, cada vez mais, a cultivar e
garantir a independência individual e as necessidades coletivas. Por outro,
caminhamos para um individualismo que, identificado com a solidão própria da
sociedade de consumo, torna-se nocivo.
Esse é o antagonismo. O individual
passa a ter um valor excessivo em detrimentos de experiências coletivas
familiares e de fortalecimento de núcleos de convivência sociocultural. A
predominância é o indivíduo, entretanto, inserido no mercado de consumo. O que
fortalece a sensação de isolamento.
O processo alimentar também se adere
a essa condição. A maneira de se alimentar e de se viver o paladar ajusta-se a essa individualização e,
consequentemente, também se torna isolada.
A alimentação, que sempre esteve
presente na vida social, não tinha valor capital, no sentido de se buscar o
lucro desse produto. O trabalho era para se alimentar, o excedente era
guardado. Com as transformações da relação do homem com seu meio de produção,
aquilo que ele fazia para sua sobrevivência deixa de ter valor e apenas uma parte
de seu trabalho, a parte que é comprada como trabalho assalariado, que possa
render lucro para o produtor, é que será reconhecida.
Com isso a sociedade
também muda sua maneira de se relacionar com a alimentação. O alimento já não será resultado consequente da produção da vida, mas será conquistado na mesma proporção em
que o trabalho for vendido, ou seja, quando se tem emprego, se tem o alimento e,
inversamente, quando não se tem um, não se tem o outro.
Diante dessa condição, a alimentação,
gradativamente, vai tomando dimensões também individuais. Como o trabalho passa
a não ter mais o sentido de manutenção da coletividade e sim do próprio
individuo em particular, ou, no máximo, de sua própria família, os laços de
unidade coletiva também diminuem.
Com o crescimento do capitalismo, a
alimentação passa a incorporar outra configuração. Sua potência comercial
expande-se e o alimento que estava vinculado aos fatores regionais, culturais e
religiosos vai ser objeto de intenções comerciais. As refeições, que tinham o
sentido de unir a família ou os grupos sociais, passaram a ser, unicamente, um
mecanismo de manutenção da vida para que a pessoa pudesse continuar
trabalhando.
A transformação da alimentação em
produto de consumo induziu a sociedade a uma forma individualista de se
alimentar. Hoje, nos grandes centros, as pessoas se alimentam com rapidez, sem
cuidado nutricional, em quantidades desproporcionais às necessidades orgânicas,
gerando sérios problemas de saúde.
Nas sociedades urbanas, é mais comum
vermos pessoas isoladas se alimentando em shopping-centers
e restaurantes de serviço rápido, do que uma família, em suas casas, reunida em
volta de uma mesa.
A sociedade atual alimenta-se só.
Produz seus alimentos só. Compra pronto, enlatado, ensacado e preparado. Como a
necessidade do consumo é mais percebida que a necessidade de convivência,
favorece-se o isolamento alimentar e fortalece-se o afastamento entre as
pessoas. Isso é uma pena!
Nenhum comentário:
Postar um comentário