domingo, 24 de março de 2013

POEMA: Máculas da Alma

Máculas da Alma       
                            
“...assim me torno eu próprio a humanidade;
e se ela ao cabo perdida for, me perderei com ela.”
Goethe 

O que macula a alma não é a dor daquilo que não realizamos,
mas o desejo constante e incontido que, do âmago,
transforma-se em febre e destrói nossos sonhos.
O contato com a realidade de coisas mutáveis e insustentáveis.
Frígidas lâminas nos tornam frágeis
e decepam os mais puros desejos e os mais primitivos suspiros.
Irreconhecíveis a nós mesmos!
Nos odiamos se os despertamos ou paralisamos os atos públicos de condenação.
Todos possuem e compartilham olhares comprometedores,
mas, passíveis ao cotidiano fosso das cidades, ausentam-se,
ilham-se nas multidões frustradas que se aderem a uma falsa sensação de comunidade universal.
Não sentem, nem vivem!
No temor latente da aglomeração das tensões, preferem o plástico, o flexível.
Cegam-se!

Em mim toda dor e todo sofrimento se intensificam.
Recolho-me ao que é nato e inato, sem ser redentor,
sem ao menos almejar um possível ato heróico.
Amo o mundo e os homens,
amo-os por mim e por eles.
Ainda que odiá-los seja uma propriedade da minh’alma,
é meu desejo amá-los.
Carrego todos os sentimentos
e ouço suspiros temerosos de que as sombras possam ser a eternidade de meus dias
e minhas noites uma escuridão, um betume.
Isso o betume!
Quem sabe o betume do barro preto...
que nos remete à leve sensação de um retorno ontológico, um lócus,
à fonte emergente  donde brotou o ánthropos.
Preservarei o que há de primitivo, de elementar e de fecundo
para que do inescrutável, do intangível e da culpabilidade irremediável, possa fluir,
como um regato intermitente,
a outra face,
o oculto,
o imperceptível,
aquilo que ainda não foi dito.


Curvo-me ao tempo...
Satisfaço-me em não recorrer aos quantificáveis.
Este é o tempo do incalculável, da não metrificação,
tempo dos fluídos insolidificáveis.
Não há retorno, nem volta!
Ao olhar, cabe-lhe tudo, todos os espaços.
Aos passos, serve-nos caminhar adiante.
Recorro ao barro para compreender o sentido das edificações
e aos oleiros para me impregnar do deleitoso desejo de construir

No inescrutável tateio os eternos limites do saber temporal.
No intangível assento-me na possibilidade de uma atitude expansiva e abrangente,
ainda que se apresente como paradoxal.
Na culpabilidade irremediável,
encontro a angustiante sensação de que algo já poderia ter sido feito

Seguir é o que nos oportuniza. Este é o tempo!
Há uma temeridade, uma nebulosidade que circunda nossos olhares.
A mácula da alma tende a nos atrofiar, a ferir nossos ossos,
a nos tornar pedintes e recorrentes de uma fé que mais purga que liberta.
Se ao tempo sou súdito, rebelo-me contra a submissão de um homem por outro.
Há multiplicidade, há compartimentalização, há códigos indecifráveis,
mentalidades geneticamente cibernetizadas.
Mas há olhares, há homens, mulheres, crianças que todos os dias saem pelas ruas,
cães que vasculham os cantos das cidades,
as mãos ainda se entrelaçam e os braços enamorados se envolvem nas noites de frio.
Há almas maculadas, como a minha,
que se entristecem em ver
tantos vivos, quase mortos;
tantos sorrisos, quase tristes;
tantos sonhos, quase pesadelos.
Mas que seguem adiante,
ora cabisbaixo, ora numa alegria utópica e transbordante,
às vezes infantil.
Mas que prefere caminhar
ao invés de sorrir os sorrisos tele-enviados pelas megas inteligências que querem
uma impossível homogeneização.

Nisso eles se fragilizam e nós nos fortalecemos.

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